O que somos perante a nossa (in)utilidade?


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Quero iniciar deixando claro que, quando utilizo a expressão "inútil" (entre aspas) neste artigo, quero fazer menção à nossa exigência ou visão deturpada sobre como deveríamos ainda estar ativos na vida do outro ou na nossa, quando, na realidade, já atingimos o momento de usufruirmos do descanso mais do que merecido de toda uma vida.

Durante toda a vida, crescemos trilhando o caminho equivocado na busca da nossa utilidade.

E isso se dá porque escutamos os sons da sociedade a nos hipnotizar, dizendo que só teremos o que desejamos, que só merecemos ser felizes se formos produtivos para nós, para a nossa família, para os amigos, para toda a sociedade. Esses sons não estão totalmente errados!

Vivemos toda a vida tentando ser produtivos para atender às nossas (e às dos outros) necessidades exteriores, não parando para nada. E mesmo que pareça um contrassenso ao que já afirmei, não paramos nem para nós mesmos! Esquecemos de nos dedicar ao nosso ser interior, alimentando, tão somente com as nossas atitudes, às paixões e carências externas que este nosso Eu material exige.

Vocês podem pensar assim: “mas, eu faço muito pelo outro! Isso não é bom?” Claro que é, mas a pergunta certa dentro deste contexto é: “porque eu me dedico tanto a esse alguém?” Se estivermos fazendo isso para que tenhamos um retorno, estamos, inconscientemente, reproduzindo o ciclo da utilidade x inutilidade, porque enxergamos no próximo o ser produtivo que é hoje ou amanhã. E se ele se transformar num inútil? Um exemplo bom é a história de termos filhos para que eles nos amparem amanhã.

Quem gostaria de usufruir de algo do qual não foi merecedor de conquistar? Estou aqui dando umas risadinhas, porque a resposta da minha mente foi “muita gente!”, mas, relevando essa nossa tendência, refaço a minha pergunta: “Existe sentimento mais gostoso do que aquele que temos ao usufruir de algo que conquistamos com o nosso próprio esforço?” Realmente, é impagável. Mais ainda quando percebemos que o resultado de nossa construção foi o amor dos que amamos e que eles nos valorizam pelo que somos, não pela nossa utilidade. Mas, como não determinamos nada disso na vida do outro, só dependerá do outro como agirá conosco no futuro! E a nós, não nos magoarmos ou nos decepcionarmos se esse alguém não agir como gostaríamos.

Ainda, temos a providência divina atuando ao nosso favor. Lembremos que recebemos a todo instante do nosso viver a incidência da Lei do Trabalho, natural e divina, que nos move a não nos dominarmos pelas tendências preguiçosas e a nos transformarmos em trabalhadores assíduos para a nossa evolução. Mas, ela não se resume só nisso. Em razão da nossa imaturidade e ignorância espiritual, ainda não entendemos que tudo que é divino (e isso nos inclui) tem sua utilidade. Nós ainda não compreendemos que o trabalho que está descrito nessa lei é mais do que estarmos úteis nas atividades de nosso cotidiano, é também estarmos vivos, interagindo com os nossos sentimentos, desejos e intenções com o próximo, com a vida. Este reflexo na vida do outro, seja ele qual for (bom ou não tão bom), serve de aprendizado para ele (e para nós) e, neste toar, também estaremos trabalhando.

Todavia, no mundo material em que vivemos, a verdade é que não dá para sermos produtivos (da forma que entendemos o seu conceito) o tempo inteiro. Teremos um tempo de utilidade e, depois, nos tornaremos “inúteis” para a sociedade, até para a nossa família. Adoeceremos, vez por outra, envelheceremos, se Deus quiser, e já não conseguiremos fazer tudo o que antes era muito fácil fazer. Quando isso acontecer, com a visão que temos da vida, tenderemos a ser os primeiros a nos crucificar, a acreditar que para nada mais servimos e que não temos mais merecimento de continuar vivendo.

Só que nós somos aquilo que construímos a vida toda. Não importa que não sejamos mais “lucrativos”, ainda merecemos o nosso respeito e amor por tudo o que já produzimos, seja no mundo exterior, seja no interior dos nossos e nos demais corações.

Admito, todavia, que, diante da minha pequenez, peço a Deus, todos os dias, que eu possa construir muito amor e respeito nos corações alheios para que, quando eu não puder fazer o que faço hoje, possa ter alguém que aguente a minha “inutilidade” pelo valor que eu tenho em sua vida. Mas também peço que eu não deixe, mesmo só, de ser feliz por enxergar o quanto fui e sou útil somente pelo fato de existir, de me amar.

Quem somos diante de nossa (in)utilidade? Somos aqueles que souberam construir o amor em nossas vidas.

2 comentários :

  1. Alguns pontos chamaram-me a atenção nesse texto. Primeiro, sobre a lei do Trabalho. Acho que sempre que nos propormos a fazer algo, jamais seremos inúteis. O ponto é justamente sairmos da preguiça e estagnação. Segundo, a velhice jamais será um obstáculo se nos mantivermos sempre ativos, inclusive a mente. A doença talvez possa ser, mas ainda assim em muitos casos é uma construção. Mente saudável, corpo saudável, velhice saudável. Por fim, até alguém que hoje sente-se inútil e foi útil algum dia, essa pessoa ainda é útil. Ensinamentos, exemplos de vida, boas ações são coisas que ficam para sempre. A sociedade pode ser um parâmetro a ser considerado, mas também se nos for conveniente. Forte abraço.

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