O interessante é que não importa onde
estivermos, seja no plano material, seja no espiritual, será o nosso estado de
espírito que nos informará em qual “mundo” estamos vivendo. Para isso, trago um
conto budista, de autor desconhecido, para nos ajudar a desvendar esse assunto:
“O Endereço do Céu e do Inferno
Conta-se que existiu certa vez um samurai muito temido, arrogante e habilidoso no manejo da sua espada. Diziam que ele era invencível. Apesar de temido, este espadachim trazia consigo um grande medo. Em várias batalhas, sua vida esteve por um fio e, desde então, passou a temer a morte. Esse medo o torturava dia e noite.
Um dia, antes de ir para uma nova batalha, o medo ressurgiu e ele decidiu que precisava saber urgentemente se céu e inferno existiam de fato e qual era a localização deles.
Acreditava que, se soubesse onde eles estavam, poderia evitar a direção do inferno e seguir diretamente rumo ao céu. Pensou que um mestre zen poderia lhe dar as respostas que procurava e decidiu ir a um conhecido templo budista em meio às montanhas. Chegando lá, ele esmurrou o portão e aos berros exigiu a presença de Hakuin, famoso mestre que residia no local. Calmamente, Hakuin ainda abria a porta quando o arrogante guerreiro esbravejou impaciente:
- “Quero saber se céu e inferno existem e onde eles estão, e quero saber agora!”.
Hakuin o fitou com desprezo. Olhando-o de cima pra baixo, respondeu:
- “Ora, seu porco imundo, retire-se daqui”!
O samurai ficou com os olhos vermelhos. O seu sangue fervilhava de fúria. O guerreiro desembainhou rapidamente sua espada e ameaçou desferir um golpe mortal contra o monge, que o interrompeu:
- “Já achou as portas do Inferno. Vai entrar”?
O espadachim recuou assustado, guardando a espada. Compreendeu o ensinamento e já arrependido da sua conduta furiosa, curvou-se sereno e humilde pedindo perdão.
Hakuin, já fechando o portão, finalizou:
- “Enfim, achou as portas do Céu. Falta entrar”. Desde então o samurai afastou-se dos confrontos e dedicou o resto de sua vida a ajudar às pessoas aflitas e animais em perigo. Ele que sempre desprezou a vida, passou a ter consideração até pelas pedras...”
Quando me deparei com essa história,
achei que seria muito interessante conversarmos um pouquinho sobre esse
assunto. Em qual dos dois mundos vivemos?
Ora, é certo que o mundo que desejamos
para desfrutarmos de todos os momentos de nossa vida é aquele repleto de
bênçãos e luzes, de harmonia e paz. Mas, por que nos deixamos escapar deste
mundo maravilhoso todas às vezes que fazemos escolhas que nos remetem ao plano
das ilusões, da desesperança, da intriga, da raiva, da tristeza?...
Observamos que, nessa história, a
atitude do monge levou o samurai a
alterações emocionais drásticas (de raiva e de humildade) e a reagir
diferentemente de acordo com os seus entendimentos interiores, não é verdade?
Por incrível que pareça, não! Se vocês estiverem atentos vão perceber que
existe um erro nesta frase! Ninguém tem o poder de nos levar a agir como ele deseja.
Somente nós podemos determinar quais as ações e reações que teremos em cada
experiência que vivenciarmos. Por isso, não foi o monge que o levou a reagir, mas
sim o próprio samurai agiu tendo como base o seu entendimento sobre o que era importante
para si, sobre o que era respeitoso ou desrespeitoso, sobre o que era aceitável
ou não para ele.
A grande verdade é que, se somos os
únicos que temos a capacidade de nos remetermos a qualquer um desses mundos,
porque fazemos a escolha de nos atiramos de cabeça naquele que nos é desagradável?
Por incrível que pareça, não agimos
para nos sentirmos desconfortáveis, mas para nos protegermos daquilo que
acreditamos que nos trará dor. Como no caso do samurai, este acreditava que o
respeito pela sua figura era imprescindível e que, a cada ato do alheio que não
fosse condizente com essa verdade, necessitava dele uma reação violenta! Essa
era uma de suas crenças.
O problema é que nem aquele guerreiro intrépido
tampouco nós mesmos estamos mais aguentando sustentar verdades que nos levam ao
sofrimento desenfreado. Estamos percebendo que se somos responsáveis pelo mundo
que habitamos, então, podemos fazer escolhas mais inteligentes para vivermos
bem. O samurai percebeu que, aquele medo que o assolava era uma indicação de
que algo precisava ser mudado.
Em toda a nossa vida, teremos várias
experiências que nos levarão a reagir e só teremos as nossas verdades para
embasar as nossas escolhas e ações. Por isso, não podemos nos criticar por
termos verdades deturpadas, porque se as abraçamos um dia é porque elas nos
foram úteis e consoladoras.
Só descobriremos que elas não nos
servem mais quando percebermos que já temos condições de abraçarmos outros
instrumentos hábeis para o nosso crescimento. E isso leva um tempinho e muita humildade
para aceitarmos que todas as crenças que abraçamos são relativas e
modificáveis. Diante disso, poderemos reagir positiva ou negativamente e sempre
o faremos segundo a nossa vontade e concepção do que é importante preservarmos.
O samurai, até aquele momento em que recuou assustado ante a verdade espelhada
pelo mestre Hakuin, pensava que o importante era ser temido por todos, porque
assim ninguém teria coragem de enfrentá-lo. Essa crença que habitava em seu
mundo inconsciente, o impulsionava para reagir sempre com violência. Essa
verdade foi construída por ele em algum ponto de sua vida e ele sentia que precisava
protegê-la para se proteger, assim o fazendo por anos a fio.
Por ainda estarmos “caminhantes”,
muito já aprendemos, mas muito pouco dominamos.
Na luta pela vitória de nossas batalhas, se não estivermos atentos,
poderemos não perceber o caminho que trilhamos. Quando dermos uma paradinha, no
entanto, tendo chegado ou não ao objetivo traçado, indubitavelmente,
perceberemos as intempéries, os escorregões, os sentimentos bons e não tão bons
que abraçamos antes e depois da caminhada. Daí, poderão vir os remorsos e, por
consequência, as culpas. Se formos em busca de respostas sem nos esvaziarmos de
nossas crenças, jamais nos permitiremos viver o céu que nos aguarda, porque no
inferno já teremos nos colocado.
Quando o guerreiro percebeu que algo nele
havia mudado, que aquele medo era um reflexo de que as suas crenças estavam
estremecidas, mas que ele não as enxergava em seu âmago, foi buscar respostas
em outras fontes de saber.
E é assim que devemos agir em nossa
vida: procurarmos enxergar a Sabedoria da vida e abrirmos o nosso coração para
as possíveis respostas que ela nos trará.
Ante as novas verdades, enxergaremos e
sentiremos com profundidade em qual dos mundos nós estaremos habitando!
Céu ou Inferno? Somente um estado de
espírito!
Parabéns pelos ensinamentos e pela reflexão
ResponderExcluirObrigada, Neca.
ExcluirSão as nossas tentativas de colocarmos tudo isso em prática.
Bom domingo para você!